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seg, 13/02/2006

Se você é treinador, personal trainer ou alguém que trabalha com atletas ou entusiastas de condicionamento, é importante que você conheça os seus estudantes à nível pessoal. Quanto mais você conhecer sobre a pessoa atleta, mais fácil será adaptar a rotina dos treinamentos para a personalidade e as necessidades do atleta. Você e o atleta devem se tornar parceiros psicológicos se forem trabalhar juntos para serem bem-sucedidos. Para ajudá-lo a fazer isso, você deve descobrir, o mais cedo possível, como o seu estudante ou atleta é motivado.

A motivação tem uma dinâmica misteriosa. Como um atleta reage com tanto entusiasmo a um programa de treinamento particular enquanto que outro não reage? Treinadores experientes sabem que não existem dois atletas que são motivados pelas mesmas coisas ou da mesma maneira. De fato, é uma fonte de fascinação e confusão para muitos as inúmeras variações de como se motivar um atleta.

Do mesmo modo que a pessoa tem uma personalidade única, também cada pessoa tem uma constituição motivacional única - é composta de 6 características - não existe dois atletas que combinem todas essas características da mesma maneira. Eu planejei uma entrevista com uma série de 6 perguntas cujas respostas irão ajudá-lo a descobrir a constituição da motivação do seu atleta ou estudante. Com essa informação, você consegue conhecer melhor o seu atleta bem como planejar um controle de treinamentos que se ajusta com a constituição motivacional do seu atleta. Quer trabalhando com atletas altamente competitivos ou com atletas praticando por recreação, saber o perfil motivacional deles fará com que os procedimentos sejam mais fáceis para você e para o atleta.

O processo dessa entrevista é simples, mas você precisa praticá-lo para se tornar proficiente. Para começar, sente-se com seu atleta ou estudante e faça as perguntas na ordem. Tome notas. Envolva-se. Essa é uma conversa de duas vias, não apenas um registro passivo de respostas. Certifique-se de que você entendeu exatamente o que o atleta quis dizer. Se for o caso, peça esclarecimentos. Recuse respostas que parecem não corresponder a comportamentos anteriores, etc. O tempo médio da entrevista deve ser de 15 a 20 minutos.

Abaixo está um resumo das 6 perguntas da entrevista:

  1. O que é importante para você num programa de treinamento ou condicionamento?

    Aqui você está questionando o atleta para identificar quais os CRITÉRIOS (qualidades, fatores) que são mais importantes e altamente valorizados no seu treinamento. Respostas típicas para essa questão são "consistência no meu desempenho," "ter bastante variedade na rotina" e "trabalhar num nível intenso." Você não deve ficar satisfeito com a primeira resposta - insista. "Sim, eu sei que a consistência é muito importante para você, mas que outras coisas são importantes no seu treinamento?" Para a maioria dos atletas, existem dois ou três critérios.

  2. O que ter _______ (respostas da questão 1) faz para você?

    Aqui você está tentando determinar a DIREÇÃO da motivação do atleta (isto é, se ele é motivado em direção a um resultado positivo ou se ele está motivado afastando-se das consequências negativas). Você está perguntando quais os objetivos específicos que são obtidos a partir das condições obtidas na pergunta 1. Esses objetivos são em direção ou afastando-se? As respostas para essa questão podem ser "isso vai me ajudar a aprimorar o desempenho" (a direção aqui é em direção a algo), "aprimorar a minha saúde" (de novo, a direção é em direção a algo), "não perder o desempenho durante a terceira etapa do triatlo" (aqui a direção é afastando-se de algo), "aliviar o estresse e o tédio" (a direção aqui é afastando-se de algo).

    De novo, você não deve se apressar para conseguir respostas completas porque a maioria dos atletas terá mais do que uma resposta para essas questões. Baseado nas respostas, você deve determinar se o atleta está totalmente motivado em direção a resultados positivos, totalmente motivado afastando-se de consequências negativas ou se tem uma combinação dos dois com tendência para um lado ou outro. Em muitos casos, uma direção irá sobressair.

  3. Como você sabe que você fez um bom trabalho no seu programa de treinamento/condicionamento?

    Essa questão foi planejada para ajudar a determinar como o seu estudante ou atleta mede o sucesso, o bom resultado. A REFERÊNCIA para o sucesso do seu atleta se encontra fora dele (referência externa), como por exemplo, com tempos melhores ou pela avaliação do seu treinador? Ou é algo que se encontra dentro dele mesmo (referência interna), tal como um grande sentimento de confiança ou nadando mais relaxado? De novo, para a maioria existirá mais do que uma resposta para essa questão, por isso pode haver combinação de externo e interno com tendência para um deles. Apesar disso, saber como o seu atleta mede o sucesso é uma informação importante para entender o seu perfil motivacional.

  4. Por que você escolheu o seu atual programa de treinamento/condicionamento?

    A razão de porque o seu atleta escolheu o seu atual programa de treinamento ou de condicionamento revela um componente importante da sua constituição motivacional. Por isso é que você está fazendo essa pergunta para saber quais são as RAZÕES de porque ele se decidiu por essa rotina particular de treinamento que está praticando agora. Para alguns, a resposta indica que ele está interessado em seguir caminhos e procedimentos provados que são distintos e definidos (orientado para procedimentos). Outros estarão mais interessados em explorar novos caminhos e possibilidades (orientado para opções). Por exemplo, se o seu atleta é orientado para procedimentos, a resposta para essa questão poderia ser: "Porque ele me desenvolve sistematicamente de modo que eu chego ao meu auge na hora certa" ou "Eu tirei isso de um vídeo dos melhores batedores de beisebol." Se o seu atleta é orientado para opções, possíveis respostas poderiam ser: "Isso me dá a oportunidade de tentar outros esportes para permanecer saudável" ou "Nem estou certo disso tudo - eu nem mesmo escolhi - só gosto de fazer o que eu e os meus amigos achamos bom."

    Como na pergunta anterior, provavelmente há mais do que uma resposta para essa pergunta, portanto verifique para ver se as respostas revelam se o estudante ou atleta é orientado para procedimentos, opções ou uma combinação dos dois com tendência a um deles.

  5. Qual é a relação entre o seu programa de treinamento e condicionamento desse ano e o que você estava fazendo no ano passado?

    Nessa pergunta, você está pedindo para ele comparar o programa de treinamento e o de condicionamento atual com o do ano passado. A comparação mostra que as coisas estão quase como antes ou estão bastante diferentes do que antes? A EXTENSÃO da motivação do seu atleta pode ser caracterizada por querer que as coisas permaneçam iguais (orientado para semelhanças), ou por gostar que as coisas mudem frequentemente (orientado para diferenças). Se o seu atleta ou estudante é orientado para semelhanças, ele irá indicar isso com uma resposta como "Basicamente é igual ao do último ano com poucas variações." O atleta ou estudante que é orientado para diferenças irá dar uma resposta como "Agora estou conseguindo jogar em diversas posições - com mais ênfase na disposição, flexibilidade e persistência." De novo, você deve descobrir se há combinação dos dois com um deles predominando.

    Quando utilizar esse processo de entrevista pela primeira vez, você pode equivocar-se ao pensar que sendo orientado para procedimentos é o mesmo que ser orientado para semelhanças e que ser orientado para opções é igual a ser orientado para diferenças. Não é o caso, pois são fatores separados. Só porque um atleta gosta que as coisas mudem frequentemente (orientado para diferenças) não significa que automaticamente ele é orientado para opções. Ele pode solicitar muitas mudanças no seu programa de treinamento ou condicionamento, mas ainda escolher um método de treinamento composto de estilos e procedimentos conhecidos. Ou o atleta pode ser orientado para opções, solicitando novos estilos e práticas, e procurar as semelhanças tão logo as novas práticas sejam escolhidas.

  6. O estilo global da motivação do atleta é proativo ou reativo?

    Essa última pergunta não é feita para o estudante ou atleta, mas para você mesmo e a resposta é obtida com base nas informações que obteve nas primeiras cinco perguntas. O seu atleta irá ser proativo se ele tende a tomar uma ação direta - se ele tende a iniciar a ação - se ele pula direto para fazer as coisas. Por outro lado, se o atleta é reativo, ele tende a esperar e analisar - esperar pelos outros para iniciar - tende a pensar sobre algo primeiro. A maioria dos atletas é uma combinação dos dois com tendência em uma direção. Olhe para as respostas das primeiras cinco perguntas e determine qual o ESTILO GLOBAL que se sobressai.

Uma observação deve ser feita. Durante a entrevista, você precisa se certificar que o estudante ou o atleta está realmente respondendo a pergunta que você fez. Algumas vezes a sua pergunta pode ser mal interpretada. Se for assim, esclareça a pergunta e a faça de novo. Por exemplo, na questão 4 você perguntou: "Por que você escolheu o seu atual programa de treinamento/condicionamento?" O atleta pode ter respondido: "porque eu realmente quero me qualificar para a provas regionais desse ano." A resposta do atleta é realmente uma repetição da resposta dele à pergunta 2 sobre a direção motivacional. Neste caso, você deveria dizer: "Sim, você mencionou isto antes, mas eu estou perguntando algo um pouco diferente. Quais são exatamente as características do seu programa de treinamento que você escolheu nesta rotina particular versus uma rotina diferente?" Enquanto você conduz o seu estudante ou atleta através desse processo, é importante mantê-lo focado na pergunta pois só assim você consegue a resposta necessária para determinar o perfil de motivação do atleta.

Vamos resumir as 6 características que compõem o perfil motivacional de um atleta ou de um entusiasta de condicionamento:

  1. CRITÉRIO que é o mais importante.
     
  2. DIREÇÃO da motivação:
    Em direção a resultados positivos.
    Afastando-se de consequências negativas
     
  3. REFERÊNCIA para o sucesso
    Externo
    Interno
     
  4. RAZÃO para a motivação
    Procedimentos
    Opções
     
  5. EXTENSÃO da motivação
    Semelhanças
    Diferenças
     
  6. ESTILO GLOBAL da motivação
    Proativo
    Reativo
     

Como você pode ver, a motivação não é uma característica mensurável, única. O sistema para a motivação de cada atleta, em qualquer tempo, é o resultado da interação de diversos componentes. Os atletas de mais alto nível e mais competitivos terão um perfil similar. Enquanto o CRITÉRIO para cada atleta de elite terá muita variedade, o resto do perfil será muito similar. A DIREÇÃO da motivação do atleta de elite será em direção. A REFERÊNCIA para o sucesso será orientada para externo com alguma orientação interna. A RAZÃO para a motivação dos atletas de elite irá tender severamente para procedimentos. A EXTENSÃO da motivação pode ir para qualquer lado (semelhanças ou diferenças), mas provavelmente será uma combinação dos dois. O ESTILO GLOBAL da motivação será proativa. Entretanto nos participantes que não pertencem a este grupo principal, você encontrará muitas variações nos perfis.

Aqui estão alguns exemplos das deduções que você pode tirar de tudo isso:

  • Com o progresso dos atletas iniciantes, ocorrem mudanças nos seus perfis motivacionais.
  • Atletas experientes, por outro lado, não irão mostrar muitas mudanças nos seus perfis motivacionais com o passar do tempo.
  • Atletas proativos precisam menos coaching e comando, mas precisam ser checados mais vezes pois tendem a agir sem primeiro considerar. Atletas reativos precisam de mais coaching e comando.
  • É mais fácil motivar um atleta cuja DIREÇÃO é em direção em contraste com aquele afastando-se.
  • Um atleta cuja REFERÊNCIA é uma forte orientação externa terá mais dificuldades em encontrar satisfação e realização no seu treinamento e desempenho.
  • Fazer exercícios sozinho, como por exemplo numa bicicleta fixa, é mais fácil para um atleta proativo. Já os atletas reativos se saem melhor fazendo exercícios com outros, por exemplo, em classes aeróbicas.
  • Antigos corredores, ciclistas e nadadores que se tornaram triatletas competitivos são provavelmente mais orientados para diferenças.
  • Corredores de barreiras e saltadores de vara são provavelmente mais orientados para procedimentos. Esquiadores e jogadores de basquete são provavelmente mais orientados para opções.
  • A DIREÇÃO de motivação dos goleiros de hóquei será provavelmente mais orientada para em direção a.
  • Qualquer atleta ou estudante terá reação positiva e será motivado por declarações que incluam os critérios que são importantes para o atleta.

Se você entender como todos esses componentes se movimentam, será muito mais fácil planejar um programa de treinamento que logicamente o estudante ou atleta será motivado a seguir. Você deve trabalhar com o atleta para descobrir o programa que funcione melhor para ele. Com a informação do seu perfil motivacional, você será capaz de planejar um treinamento que é adaptado para a constituição motivacional do indivíduo. Aqui estão alguns exemplos de como isso poderia funcionar.

Mary, uma triatleta de alto nível, declarou que o critério mais importante para ela no seu programa de treinamento era perseverança, melhoria e muita variedade na rotina de treinamento. Como o seu treinador sabia que a perseverança e a melhoria eram importantes para ela, numa base regular, ele usava a impressora de seu computador para imprimir gráficos que mostravam claramente a perseverança e melhoria dela. O que ele não sabia era que a flexibilidade na rotina de treinamento da Mary era tão importante para ela. Assim que soube disso, ele incluiu uma maior variedade no programa de treinamento dela. Psicologicamente isso foi muito mais do que apenas colocar variedade no programa, porque isso também deu para ela algo novo para suas expectativas, e aliviou o seu sentimento em função das aborrecidas repetições. Sua motivação, que antes de tudo era muito elevada, ficou mais fácil de ser mantida.

Kirk, um homem de negócios com 38 anos, que não praticava exercícios físicos, sofreu um pequeno ataque do coração. Isso o alarmou, para dizer o mínimo. Ele se matriculou numa academia e contratou um personal trainer para ajudá-lo a ficar em forma porque ele não tinha ideia por onde começar. Depois de trabalhar com ele por cerca de seis semanas, seu treinador percebeu que toda a motivação dele (DIREÇÃO) era afastando-se da saúde deficiente, para evitar outro ataque do coração. Tinha pouca motivação em direção a alguma coisa. A REFERÊNCIA do Kirk para o sucesso também tinha orientação externa (isto é, consistentemente ele perguntava a opinião do seu treinador e pelo seu feedback para ter certeza que estava fazendo certo o seu programa de condicionamento). O ESTILO GLOBAL da motivação do Kirk era reativa. Seu treinador podia ter mantido o programa de treinamento do jeito que estava, visto que estava funcionando. Mas como ele queria que o Kirk evoluísse, para ajudá-lo, ele tinha que mudar a constituição motivacional dele antes de introduzir um novo e mais intenso programa. Seu treinador o ajudou a identificar as metas que ele queria realizar e que fossem direcionadas em direção a alguma coisa, como por exemplo, completar uma corrida de 10 quilômetros junto com seu filho de 14 anos, sentir-se melhor com ele mesmo, ganhar confiança e controle sobre sua própria saúde. Isso foi muito engenhoso porque essas metas também deram para ele uma REFERÊNCIA para o sucesso que também era internamente orientada. Isso fez sua motivação ficar "mais positiva" e "mais jovial" - e por essa razão mais fácil de ser mantida. Também conduziu ele para uma direção mais proativa.

Candice era uma ginasta de 15 nos que tinha começado a fazer esportes com 5 anos. Durante estes 10 anos, ela foi treinada por apenas 3 pessoas. Sua atual treinadora, que vinha trabalhando com ela nos últimos 5 anos, a conhecia muito bem e tinha um bom rapport com ela. Depois de fazer com ela a entrevista para o perfil motivacional, apareceram algumas surpresas. Sua treinadora sabia que ela era "temperamental," "tinha a sua própria opinião" e "difícil de se manter focada." Mas o perfil motivacional revelou as exatas razões disso. A REFERÊNCIA para o sucesso da Candice tinha com uma forte orientação interna. Num esporte onde ela tentava agradar aos juízes, isso poderia ser uma desvantagem. Quando ela sentia que a sua apresentação estava boa e sua treinadora ou juízes lhe davam um feedback crítico, ela não reagia bem. Também, a EXTENSÃO da sua motivação era mesclada, mas tendia mais fortemente para ser orientada para diferenças. Ela gostava que as coisas mudassem frequentemente. Quando isso não acontecia, ficava aborrecida e perdia a concentração. Além disso, num esporte onde os movimentos e as apresentações são repetidas e aperfeiçoadas inúmeras vezes, isso poderia vir a ser uma desvantagem para ela. Por último, sua RAZÃO motivacional era mais orientada para opções (isto é, ela gostava de tentar novas maneiras e capacidades). Candice e a sua treinadora se davam cabeçadas de tempos em tempos.

Com a informação obtida no perfil motivacional, a treinadora da Candice introduziu algumas mudanças que fizeram muita diferença. No ginásio, Candice foi colocada no papel de avaliar e dar feedback para o desempenho dos outros membros da equipe. A razão para colocar Candice no lugar de um treinador ou de um juiz era deliberada pois assim o seu próprio desempenho se tornaria mais sensibilizado pelo olho crítico do treinador ou do juiz. A sua treinadora também descobriu que ela ficava mais interessada e focada simplesmente acrescentando mais variedade no treinamento dela. Sua treinadora também aprendeu que deixá-la falar sobre novos enfoques ou movimentos e experimentá-los (normalmente para descobrir que não funcionavam) era o suficiente para satisfazer a curiosidade da Candice. Sua atitude global e concentração se tornaram mais positiva.

Existem três possibilidades que esses exemplos mostram: 1) você pode adaptar a rotina do treinamento para a constituição motivacional do seu atleta, ou 2) você pode tentar influenciar as mudanças na constituição motivacional do seu atleta ou 3) você pode fazer um pouco de cada um.

Há mais para estar em forma atlética do que a motivação, mas a motivação é um dos aspectos críticos. Esse artigo tem dois propósitos: 1) dar uma técnica para ajudá-lo a descobrir a constituição motivacional própria do seu atleta ou estudante; 2) dar algumas diretrizes de como adaptar um programa de treinamento para suprir a constituição motivacional própria do seu atleta ou estudante. Se isso der mais precisão na sua capacidade de coach ou para treinar o seu atleta, isso irá ajudá-lo a alcançar o sucesso. E, como todos sabemos, não existe nada melhor do que o sucesso para aumentar a motivação.

Referência: eu sou grato ao trabalho de Rodger Bailey, M.S., que exerceu influência no projeto dessa técnica de entrevista.

Artigo publicado na Revista Anchor Point de dezembro 1993

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