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Perguntas:
• Será que podemos realmente instalar emoções negativas no nosso corpo?
• É realmente possível incorporar e assimilar os estados das emoções negativas em nossos músculos e tecidos nervosos?
• Será que os sentimentos que correspondem e direcionam a gagueira e o bloqueio entraram nos músculos da respiração e da fala?
Nós levantamos essas perguntas para, em primeiro lugar, reconhecer que a expressão final da gagueira e do bloqueio é fisiológica. Certamente que é fisiológica. Mas causada só pela fisiologia? Será que realmente a fisiologia que nós vemos, reconhecemos e sentimos é a incorporação e a manifestação de algo que é principalmente um estado mental-emocional? Será que é o modo como a pessoa está operando a sua mente que cria no final das contas os sintomas e as expressões fisiológicas?
Será que é através do processo de habituar o estado da mente com o ato de falar, com o ato de falar errado ou da gagueira que realmente conduz e causa o estado que se torna como se estivesse “trancado dentro” do corpo de uma pessoa?
Será que a gagueira e todas as emoções negativas associadas a ela, realmente se introduzem nos músculos da pessoa?
Essas perguntas sugerem um modelo diferente de como pensar na experiência subjetiva da gagueira e do bloqueio e, como alguém pode, potencialmente, ser levado a ter mais opções de recuperação e fluência.. Ao dizermos isso, significa que os comportamentos externos ocorrem porque a nossa mente está conectada ao corpo através do sistema nervoso central e porque a mente se comunica com todas as partes do nosso corpo. Desde os anos 50, a ciência médica e a neurociência tomaram consciência dessa conexão mente-corpo. Afinal de contas, as nossas células nervosas encontram-se em todas as partes do nosso corpo e de todas recebem informações vindas do nosso córtex e do subcortical.
É óbvio que a mente pode incorporar as emoções na mais primitiva e básica de todas as nossas funções da mente-corpo - a síndrome da luta/fuga. E como você bem sabe, você não precisa estar em perigo real para acioná-la. Tudo que tem que fazer é pensar, lembrar ou imaginar algo terrível. Logo o seu corpo será obrigado a reagir, pois ele foi programado assim.
Então não será nenhuma surpresa que todas as nossas emoções podem e se tornam incorporadas em certas áreas do nosso corpo? Hoje em dia, nós até sabemos que a padronização ou a habitualidade da reação pode se tornar tão incorporada que se torna o que chamamos de “memória muscular”. Ou seja, os músculos “lembram” como executar o padrão. Os caminhos neurológicos "usam o sulco", por assim dizer, de modo que estejam de prontidão para certas reações.
Para pessoas que sofrem de bloqueios e de gagueira, descobrimos que as emoções negativas estão contidas normalmente dentro do peito, no pescoço e/ou nos maxilares. Verifique isto por si mesmo. Pergunte a uma pessoa que sofre de bloqueio ou de gagueira, ou se pergunte:
Quais as emoções que estão por trás ou dentro do meu bloqueio?
Onde no meu corpo eu sinto estas emoções?
Onde no meu corpo eu sinto o medo e a ansiedade no momento em que eu percebo a possibilidade de ocorrer o bloqueio e/ou a gagueira?
O que eu sinto sobre estas sensações?
É sobre isso que nós estávamos falando.
Nos meus treze anos de trabalho de terapia com clientes, eu literalmente fiz estas perguntas para centenas de pessoas que estavam sofrendo de algum problema indesejável de pensamento, sensação ou emocional.
“Onde você sente no seu corpo essa emoção?” é a pergunta que permite que a pessoa comece a reconhecer a incorporação das emoções.
E nessas centenas de vezes fazendo essa pergunta, foram poucas as vezes que não consegui uma resposta imediata e direta. As pessoas simplesmente me diziam onde sentiam as emoções. Muitas vezes apontavam para a parte do corpo onde a emoção parecia estar localizada. Isto é uma regra prática comum para os terapeutas. Se a pessoa “sente” a emoção negativa, ela irá apontar para a área do corpo onde sente esta emoção. Está no corpo (no físico) e, portanto, é psicossomática por natureza e forma.
Parurese (Bexiga Envergonhada)
Recentemente fomos apresentados, e já estamos trabalhando, a uma desordem chamada de “bexiga tímida” ou “bexiga envergonhada”. O nome técnico é parurese. Pessoas que sofrem deste problema dizem que esta pode ser a maior incapacidade individual e social. Uma pessoa sofrendo desta doença irá reportar algo como isso:
“Sempre que eu tento usar um banheiro público, tudo me deixa paralisado! Não interessa se eu tenho que ir com urgência, nada acontece. Se eu não estiver em casa, eu não consigo urinar. Quando estou sozinho ou em casa, não tenho problema.”
Michael trabalhou com um cliente com esse problema durante um treinamento intensivo de NeuroSemântica no Colorado. Um participante voou até lá vindo da região sul dos Estados Unidos. Apesar de fazer um vôo de quatro horas, ele se recusou a comer e a beber por dois dias. Ele estava absolutamente aterrorizado de que tivesse que usar o banheiro no aeroporto, ou pior, no avião onde alguém poderia o ouvir urinar. Isto era um absoluto terror para ele.
Emoções são assim. Elas têm a sua própria “razão.” Nós chamamos isto de lógica psíquica (acompanhando o trabalho de Korzybski, “Science and Sanity”) porque as razões têm um sentido perfeito para o pensamento, a lembrança e a imaginação interna da pessoa. Se ela parece irracional para quem está de fora, é porque nós não sabemos a lógica interna total. Para este homem, ela parecia totalmente irracional. Ele não podia imaginar a sua própria lógica interna ou porque o seu corpo estava fazendo isto. Ele não acreditava! E se punia constantemente (lógico que isso só aumentava o problema).
O que no mundo poderia causar num jovem muito bem sucedido, presidente de uma empresa muito lucrativa e que empregava quase cem pessoas, ganhando um salário da ordem de seis dígitos, a sofrer dessa maneira por causa das suas emoções incorporadas? Um trauma antigo. O evento traumático de entrar num banheiro com cinco anos de idade passando por sobre o corpo do seu pai bêbado que tinha caído no chão do banheiro. Enquanto ele urinava, isto acordou seu pai que berrava e gritava com ele, ameaçando-o para “nunca mais fazer isto de novo!”
Esse é o significado (a semântica) que se tornou incorporado e encarnado no corpo do menino (sua neurologia, o sistema nervoso). É deste modo que a síndrome da “bexiga tímida” é neurosemântica por natureza e por estrutura. As mensagens dentro da consciência desse menino in-formou todo o seu sistema mente-corpo-emoção; ele revia repetidamente esse filme interno e aí estava o problema.
Atualmente estou trabalhando com um homem de 46 anos que tem este problema desde a adolescência. Ele desenvolveu medo, ansiedade e até mesmo pânico em relação ao processo natural de urinar. Ao questioná-lo, descobri que este problema enraizou-se ao ser humilhado, principalmente pelo seu irmão mais velho, na época em que estava sendo ensinado a usar o banheiro. Essas ansiedades também foram ampliadas por outras experiências ao ser motivo de chacota por adultos importantes na sua vida porque ele era um “menino grande” e ainda usava fraldas.
Eu não havia conversado com ele por muito tempo quando percebi que a estrutura deste problema estava correlacionada estreitamente com a estrutura da gagueira. A diferença era que a memória incorporada ocorria na outra ponta em relação à pessoa que sofre de bloqueio ou gagueira. Mesma estrutura, diferente manifestação.
Neurociência e “Memória Muscular” ou “Memória Celular”
Que evidência existe na neurociência que dá credibilidade a esta compreensão que as memórias, como formas de pensamento e raciocínio (nossa semântica), podem encontrar expressão em várias áreas do corpo? Esta teoria e paradigma são obviamente fundamentais para a nossa crença de que o fator de contribuição principal do bloqueio e da gagueira são estes quadros mentais de medo e de ansiedade por trás da gagueira. Então, quando nós adicionamos a isto todos os quadros mentais negativos associados com o desenvolvimento psicológico precoce de uma pessoa, não é de se estranhar que podemos ter algumas ideias muito estranhas incorporadas de forma somática. Então, estes quadros mentais, quando ativados pelo medo do bloqueio ou da gagueira irão funcionar do mesmo modo que opera um ataque de pânico. A única diferença será na expressão que ocorre nestes músculos que envolvem a respiração e a fala.
Nos dias de hoje, a anatomia humana e a ciência médica reconhecem que o sistema nervoso é um sistema interativo. Hoje, a neurociência fala sobre doenças-auto-imunes, psico-imunologia e muitas outras palavras separadas por hífens. Não existe “mente” separada do “corpo,” ou “corpo” separado da “mente.” Os pesquisadores de hoje descrevem as funções do cérebro e da anatomia como responsivas, como processo e sempre mudando. Nós temos um sistema dinâmico que está ativo e eternamente em processo.
É por isso que as velhas metáforas do sistema mente-corpo não funcionam mais. A ideia mecanística do vapor e da energia deu lugar aos processos, sistemas, troca de comunicação, transferência de informação, etc. E ainda, como a mente se manifesta na incorporação do tecido nervoso e cria o sentido da consciência, e da consciência auto-reflexiva, do eu, da identidade e dos filmes internos de eventos passados e futuros – tudo isto é ainda um mistério.
O que nós sabemos é que a “mente” não é uma coisa, mas um processo. Sabemos que a nossa mente não tem estruturas mecânicas para o “armazenamento” das “memórias” e dos “pensamentos” que são estáticas como a que usamos num computador. Não existe nenhum chip de computador comparável... existe somente a transformação constante de informações, a troca ou a conversão de energia eletromagnética para bioelétrica, para química na troca de íons no nível das moléculas.
Lá, tudo é completamente tão dinâmico que a única maneira que ele pode ser sustentado é através do uso de níveis mais elevados da mente (nossas metacognições) para estabelecer crenças que continuam a pensar o mesmo pensamento até que ele se habitua e se torna uma memória muscular. Claro, se nós pararmos esse processo, então essa memória será mudada, alterada ou suprimida. É por isso que nós somos pessoas de pouca memória. As coisas que nós programamos em nosso sistema nervoso têm que ser constantemente renovadas. E, claro, tudo isso também identifica os processos de intervenção e de transformação.
Emoções Incorporadas
Se isso é verdadeiro para o nosso pensamento, é ainda mais verdadeiro para as nossas emoções. Esses movimentos somáticos em nosso corpo, que nós chamamos de “emoções,” também devem ser ressignificados. Também temos que reconhecer que ambos são processos. Eles são a incorporação do nosso pensamento, avaliações e conhecimentos para dentro do nosso tecido protoplásmico – tecido nervoso, sinais e mensagens de despertar, ameaças, segurança, etc. Que tudo está interconectado e afeta tudo o mais é um dado nas neurociência de hoje.
O que tudo isso significa? Significa que não existe nenhum problema mente-corpo-emoção porque, em primeiro lugar, é um sistema interconectado, um sistema que não pode ser fragmentado. Nós somente podemos fragmentá-lo linguisticamente quando falamos sobre as partes. As partes não operam isoladamente. Claro, isso inclui o córtex, o hipocampo e todos os outros órgãos que entram em jogo, incluindo o grupo dos músculos.
A neurocientista Susan Greenfield declara que “a consciência, a memória, o aprendizado, são fenômenos gestalt (conectados), e não estão localizados em qualquer lugar, mas sim em todos os lugares.” Nós reconhecemos este processo em termos de “memória celular” ou “memória muscular”. Na verdade, essas designações estão incorretas por que elas sugerem que, de algum modo, o registro da memória está em certas áreas do corpo. O erro está na substantivação (ou no congelamento) de um processo. As memórias são realmente a expressão de um processo dinâmico. Com o bloqueio ou gagueira, as fortes emoções encontram expressão em certos grupos de músculos, mas elas não estão só lá, estão em todos os lugares e também lá.
Em tudo isso, a moderna neurociência confirma a nossa suspeita de que as emoções podem e realmente se manifestam em áreas específicas do corpo. Como um conjunto sistêmico, o sistema mente-corpo trabalha junto e não pode ser separado.
Considere um ataque de pânico. Quando uma pessoa tem um ataque de pânico, parte do diagnóstico implica em sintomas físicos. Eu seguramente não acredito que este diagnóstico é o resultado de algum acaso. É o resultado do que a pessoa experimenta como no caso do bloqueio/gagueira. O DSM-IV (Manual de Diagnóstico e Estatístico das Perturbações Mentais) oferece essa descrição ao diagnosticar um ataque de pânico:
Um ataque de pânico é um período distinto no qual existe um repentino choque de intensa apreensão, medo ou terror muitas vezes associado com sentimentos de morte iminente. Durante esses ataques, estão presentes sintomas como respiração curta, palpitações, dor no peito ou desconforto, sensações de asfixia ou de sufoco, medo de estar ficando “louco” ou perdendo o controle.
Observe os sintomas psicossomáticos. Desloque a manifestação destas emoções para a área específica do corpo que controla a fala e você tem o bloqueio/gagueira. Pegue estas mesmas emoções e faça com que elas se manifestem por si nos músculos da bexiga e você tem a “bexiga tímida.” A estrutura é a mesma, as manifestações são diferentes. Ressignifique ou cure as emoções e a manifestação física desaparece.
Sumário
Será que podemos ter emoções negativas realmente instaladas em nosso corpo?
É realmente possível incorporar e agregar os estados das emoções negativas nos nossos músculos e tecidos nervosos?
Sim, de fato. Isso, na verdade, é precisamente o que todas as nossas emoções têm o potencial para fazerem. Repita qualquer estado emocional (o que inevitavelmente vem junto com pensamentos e imagens dentro da mente dele) e ele se tornará somatizado ou incorporado na nossa própria carne.
Será que os sentimentos que correspondem e direcionam a gagueira e o bloqueio entraram nos músculos da respiração e da fala?
Sim, claro. E por causa desse processo dinâmico e contínuo – quando nós mudamos o pensamento e o sentimento dentro dessa experiência, as mensagens enviadas para o corpo seguem refrescando e reforçando a mudança dos neurocaminhos. Isto oferece esperança para a recuperação e a transformação. Não é de se estranhar que as múltiplas formas da terapia Comportamental Cognitiva tomaram a liderança nas últimas três décadas ao criar as mudanças mais significativas. E é esse modelo que usamos na NeuroSemântica a medida que desbravamos e exploramos maneiras mais rápidas e mais simplificadas para achar a origem do problema – os contextos que determinam a experiência.
O artigo original foi publicado na revista Anchor Point - volume 17 - número 3 – 2003 sob o título “Embodying Negative Emotions”.